O dia da Consciência Negra, 20 de novembro, é uma data comemorativa celebrada no Brasil e é de suma importância para a causa negra. A data foi concebida por um grupo de jovens negros, em 1971 que questionavam a celebração do dia 13 de maio - data da assinatura da Lei Áurea - como uma emêferide para o povo negro e colocaram assim o dia 20 de novembro em seu lugar, que remete ao dia de morte de Zumbi dos Palmares. Já em 2003, com a lei nº 10.639, foi estabelecida “as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática ‘história e cultura afro-brasileira' e dá outras providências”. 

Sendo assim, essa data é um marco para a realização de eventos e comemorações que refletem e discutem a importância da história, cultura e questões  que envolvem a população negra no Brasil. Dessa forma, a UNIFESP organizou a Semana da Consciência Negra. Um evento realizado em todos os campis da universidade que tem como temática nesta edição “às reflexões sobre a lei 12.711, que completou 10 anos no mês de agosto.” O evento é aberto à participação da sociedade e está programado para entre os dias 18/11/2022 a 25/11/2022, realizado em formato on-line, presencial e híbrido. 

Para saber mais sobre a participação da Escola Paulista de Enfermagem o Observatório InEPE conversou com as organizadoras da semana: Flávia Fernandes, enfermeira e professora do Departamento de Saúde Coletiva da EPE; Naiane Pereira de Melo, secretária da Pós-graduação em Enfermagem; Lucíola Siqueira, enfermeira e técnica administrativa do Departamento de Saúde Coletiva da EPE; Flávia Balbino, enfermeira, professora do Departamento de Enfermagem Pediátrica e representante da comissão da Semana da Consciência Negra.

Além de nos contar sobre como o evento foi pensado para a EPE a conversa também tocou em vários pontos sobre a importância de pensarmos sobre a atuação da Enfermagem frente a práticas e políticas antirracistas, a atuação do profissional dentro do sistema único de saúde que prevê o atendimento universal, a problematização do currículo e sobre como ter um olhar para as questões raciais no dia a dia da Escola e da profissão. 

Observatório EPE: Como a Enfermagem vai participar da Semana de Consciência Negra da Unifesp? Como a saúde pode ter boas práticas antirracistas?

Flávia Fernandes: A saúde coletiva olha o indivíduo dentro das relações da saúde com a sociedade, então nós nos perguntamos como as relações da sociedade influenciam modos da gente produzir saúde, produzir doenças e produzir cuidado. Então a gente já tem essa visão como premissa, como sanitaristas. E, dentro dessa perspectiva, a questão racial no Brasil e  no mundo se torna bastante importante,  especificamente no Brasil ela é importante porque a hierarquização racial que aconteceu no país por conta desse processo de escravização de pessoas trazidas da África. O racismo  estrutura a nossa sociedade. A nossa estrutura de classes é informada pela hierarquização racial por conta desse nosso histórico e isso influencia diretamente como as pessoas adoecem, como elas vivem, como elas nascem, etc. Eu componho também o Núcleo de Estudos Afrobrasileiros da Unifesp, que é intercampi, ou seja e por lá vão ter outras atividades. Assim,  eu lancei  o desafio para colegas dentro do Departamento de Saúde Coletiva de falar o que a gente vai fazer para a semana. A Semana da Consciência Negra  é um momento para a sociedade se conscientizar da nossa identidade racial e de todo o processo do racismo, tanto na produção de sofrimento quanto de potencialidade. Pensei, bom, a EPE não pode ficar fora disso, né? Então, conversei com Lucíola, Naiane e a professora Flávia, na qualidade de representantes na Semana. A Lucíola trouxe essa parceria também com o pessoal do  Departamento de Administração, que ministrou a unidade curricular de história da Enfermagem.. Surgiu então a ideia de  trazer a produção dos alunos. 

Lucíola Siqueira: A professora Vanessa Neves coordena a Unidade Curricular História da Enfermagem e, neste ano, a primeira série ficou encarregada de dar uma visibilidade histórica à trajetória de enfermeiras negras na profissão, tanto no Brasil como no mundo. A nossa profissão, em algum momento da história, na história brasileira principalmente, teve um processo de branqueamento. Então essas personalidades negras que foram uma resistência dentro da profissão fizeram história, formalmente ou informalmente. Profissionalmente treinadas ou não, elas exerceram a profissão de enfermeiras e essa Unidade Curricular, ela fez um levantamento dessas personalidades, dessas pessoas importantes da profissão e criaram um cordéis. Cada enfermeira, ela teve um cordel temático para dar visibilidade, para contar história, para ver como essa enfermeira contribuiu com a profissão, como que ela se destacou dentro de uma realidade que não era nada favorável naquele momento histórico. Então foram criados alguns cordéis e a gente teve uma parte também de vídeo, a gente transcreveu os cordezinhos, por exemplo o cordel da Maria Soldado que foi uma enfermeira que lutou na batalha Constitucionalista. Enfim, e várias outras personalidades brasileiras ou não e aí a gente em parceria com essa Unidade Curricular pegou esse material e transformou no formato de cordel e vai ser um dos formatos de expôr, historicamente falando essas enfermeiras negras na história da profissão. E aí a gente também fez um banner com as enfermeiras também que tiveram visibilidade como Dona Ivone Lara, Mary Seacole, que é contemporânea a Florence Nightingale. 

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Banner no hall de entrada da Escola Paulista de Enfermagem.

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Exposição com varal de cordéis no hall de entrada da Escola Paulista de Enfermagem.

 

 Flávia Fernandes: A exposição vai ser no hall de entrada da EPE, com um varal para os cordéis, um banner grande com referências a  algumas enfermeiras e também  uma TV com um vídeo de alguns dados sobre a composição etnoracial da enfermagem e com mais detalhamento da história de algumas enfermeiras que não foram incluídas nos cordéis. Conversamos com a professora Flávia Balbino, que é a professora do Departamento, pediatra e também uma das representantes da comissão da Semana de Consciência Negra da Unifesp. Ela comentou sobre uma professora negra da Escola Paulista de Enfermagem, a Vera Lúcia Barbosa, que fez história na neonatologia, área da pediatria. Assim, além da gente reconhecer as enfermeiras do Brasil e do mundo, a gente também incluiu alguém aqui da casa, e aí fizemos uma articulação com um projeto de extensão, que é a Florencast.

Lucíola Siqueira: A Florencast é um podcast da Escola de Enfermagem, em que a gente trabalha temas relevantes para a enfermagem, entrevistamos enfermeiros e outras pessoas da área da saúde e lançamos episódios nas plataformas de streaming. Entrevistamos a professora Vera para ela contar um pouco como foi a trajetória dela dentro da escola. Ela ficou muito feliz com o convite, disse que foi a primeira professora negra dessa escola, antes das freiras. Hoje em dia ela é aposentada, mas topou participar. A gente também vai passar na televisão da EPE os fragmentos da entrevista dela. O Florencast é um projeto de extensão feito pelos estudantes porque eles têm o know how de entrevistar pessoas e de participar da edição.

Flávia Balbino: Eu e a Naiane fomos convidadas a participar do evento, porque somos pretas, então somos as representantes, né? A Universidade tem várias iniciativas sobre o mês da Consciência Negra em outros campus. Na nossa não tem um movimento tão forte. Então, eu não vou falar pela Naiane, mas eu particularmente, me vi bastante envolvida por essas representações nesses fóruns. Inicialmente fui convidada para participar de um fórum onde ia se discutir as questões de cotas raciais, inclusão, uma série de coisas que foram propostas no ano passado. Participei dessa comissão, que foi bastante interessante, porque eu consegui conhecer outras pessoas, de outros lugares, e foi um movimento bastante interessante no sentido de ter um olhar sobre o racismo, preconceito e outras questões. Como eu havia conversado com a Flávia, eu de uma certa forma sou um desvio na curva e sempre fui muito blindada com essas questões pelas minhas crenças, pelos meus valores e pela forma que eu fui criada, então eu particularmente não senti tanto.
Mas eu passei a perceber [o racismo] quando passei a ser procurada pelos alunos e percebi que para eles eu era uma referência. À medida que eu fui entendendo um pouco mais esse contexto de uma forma mais clara, entendi que eu também sou alguém que posso defendê-los em alguns contextos pelo papel que eu exerço no momento.
Quando veio esse convite de participar da Semana eu pensei que não podia deixar de aceitar. Quando a gente vê pelo olhar do outro, a gente consegue perceber as questões da não valorização da cultura afrodescendente, da contribuição histórica do negro no país e da inserção da pouca representação que temos em todos os contextos. À medida que você vai observando com uma maior criticidade, você pensa, nos Estados Unidos eles só são 15% da população e existe uma alta representatividade, tanto que tivemos um Obama. Só que aqui nós somos quase a metade da população, 45%, e a gente não tem representatividade em quase nenhum local! Até certo ponto me sentia bastante confortável porque nunca me senti pressionada, mas talvez nos últimos anos eu consegui ver os estudantes nas suas lutas, nas suas dificuldades, e principalmente na inclusão da universidade. De 2013 para cá, quando existe uma maior abertura, você vê uma mescla muito grande e você vê a discrepância social. É claro que culturalmente o menos favorecido socialmente acaba sendo o negro afrodescendente.
Foi me chamando um pouco a atenção porque eu estava sendo procurada pelos alunos. Eu chegava a falar: “Pára com isso, menina!” em certos momentos, por me sentir “endeusada” pelos estudantes.  São poucas as referências que elas têm, sabe? Não é que eu seja muita coisa não, eu não sou nada! Mas elas têm poucas referências, então quando você começa a se ver como referência, você começa também a entender o seu papel. Enquanto a gente está na nossa zona de conforto, o que eu faço é problema meu, como eu ajo é problema meu, e eu faço aquilo que eu acredito. Mas quando algumas pessoas te veem como referência, você passa a ter uma responsabilidade sobre aquele papel que você está desempenhando naquele momento. Então isso me fez refletir bastante... Eu aprendi a olhar com o olhar das estudantes. Quando eu passo a olhar com o olhar das estudantes, me vejo em vários contextos de racismo estrutural.  Eu passei a observar a discriminação aqui dentro da escola. Até então eu não havia me dado conta, porque eu nunca fui preparada para isso.  Mas eu entendo que essa geração mais jovem tem um olhar mais inclusivo e também tem um maior preparo para lidar com tudo isso.
Quando me perguntam quem foi a minha referência eu respondo: “Gente, eu estou na Neonatologia, naquela época eu tive a referência de uma professora negra, que é a professora Vera Lúcia Barbosa.” A professora Vera já me sinalizava várias situações de racismo aqui dentro, que eu particularmente nunca tinha percebido. Por isso que eu falo que eu era meio “blindada”, eu tive que percorrer um caminho para compreender tudo isso porque eu fui muito protegida pelos meus valores, pelas minhas crenças. Os meus valores e as minhas crenças me disseram que eu não vejo diferença entre as pessoas.
Na minha casa as duas regras eram estudar e ser “uma pessoa de bem”, então eu tinha que estudar e ser essa pessoa. Eu escolhi a Enfermagem, porque eu sempre quis ser enfermeira desde os 14 anos, e sempre avancei dentro desse propósito de ajudar. Enfim, eu acredito muito no que eu faço.
Na área do cuidar, você cuida de todas as pessoas. Quando a gente faz um juramento esses princípios éticos só reforçam os meus valores. Para mim eu não via nenhuma situação de racismo, mas, é claro, pouco tempo atrás eu me vi em situações que me chamaram a atenção. A princípio, não por conta de eu me sentir discriminada, mas por questionarem a minha competência. Nesse caso eu comprei a briga, minha competência técnica foi questionada, mas  eu tinha certeza que tinha competência técnica. Quando eu fui avaliando a forma como eu estava sendo tratada percebi que a única a ter sua competência questionada era eu.
Foi aí que a chavinha começou a virar. O curioso é que isso  não aconteceu pelo meu olhar, mas pelo olhar das estudantes que começaram a me mostrar o que eu estava passando.  Os estudantes  vivem isso diariamente e eu comecei a me sensibilizar.  Perceber que, de fato, mesmo sendo comigo, que tenho uma qualificação, mestrado, doutorado, sou especialista e as coisas são nesse nível….  imagina com uma menina que chega aqui nos seus 17 anos. Também foi a idade com que eu cheguei aqui. A estudante que não tenha a estrutura que eu tinha, provavelmente estará muito mais fragilizada nessa situação.
Me lembro que a professora Vera trouxe vários exemplos de como ela era tratada, o quanto que ela tinha que lutar para ser muito reconhecida.  Por isso, para mim ela é um exemplo hoje, um modelo de alguém que numa fase onde era muito mais difícil, conseguiu ser respeitada pelas competências dela. Isso só aconteceu lutando muito. Mas ela [a professora Vera] como mulher e como negra, nunca vi nenhuma menção ou referência ou homenagem à pessoa dela [professora Vera]. Hoje sou eu que estou na Neonatologia, então acho que ela para mim, particularmente, é uma referência muito importante.

Flávia Fernandes: A Flávia (Balbino) falou bastante sobre a questão da representação, que é bem importante e também sobre as práticas antirracistas na Enfermagem. A falta de referências faz a gente acreditar que a Enfermagem é branca e que não é um espaço para os alunos cotistas que entram aqui.  Então hoje, graças à lei de cotas, que  inclusive é o tema da Semana, agora a universidade tem mais cara de Brasil.  Antes ela não tinha, antes ela era elitista e branca.  Se é uma universidade pública, graças às cotas a gente tem uma representatividade da sociedade. Hoje a sociedade está dentro da universidade. Então qual é a resposta, que a gente como universidade? Tem que dar acolhimento, ser espaço de representação, de descolonização dos currículos. A iniciativa da UC de História da Enfermagem é importantíssima, de mostrar quem são as enfermeiras negras que fizeram a história da enfermagem também.

Naiane de Melo: Como representante da comissão da Semana da Consciência Negra, pra mim foi muito importante trazer o tema de 10 anos de cotas raciais. Eu gostaria de falar que esse é um tema recentemente discutido na pós-graduação. As cotas para alunos de graduação já existem há algum tempo, desde o início das políticas. Mas para a pós-graduação esse é um assunto recente. As políticas foram estabelecidas pela Pró-reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa a partir do ano de 2021. Eu participei de uma comissão em  2020 que falava sobre a questão das cotas na pós-graduação, e foi muito interessante as discussões para a gente entender que existiam vários programas de pós-graduação na universidade que não tinham suas informações sobre formas de entrada de forma tão clara. Com essa dificuldade acaba se privilegiando o mesmo público de estudantes na pós-graduação.
Foi feito um censo bastante grande para entender quem são esses alunos e a qual classe social pertencem, além de outras informações que são importantes para alimentar as políticas públicas da universidade. Esse tema dos 10 anos de cotas é muito significativo, porque traz a importância de ter as cotas para a universidade, para que a gente possa ter pessoas de outras cores e classes sociais. Infelizmente por causa dessa dívida histórica a gente sabe qual é a maioria das pessoas que estão nas classes sociais menos abastadas. Eu, enquanto secretária e TAE estou envolvida nesse processo de participar da comissão e é bastante significativo trazer um olhar técnico. Poder participar de um projeto das enfermeiras negras, que eu achei maravilhoso, e poder contribuir é de uma beleza muito grande. Eu me sinto muito grata por ter participado e por saber que a EPE está sendo representada na Semana. Nem todos os locais da universidade estão na Semana da Consciência, então é muito importante, muito significativo e simbólico poder trazer essa discussão para a gente entender qual é a história dessas enfermeiras na Semana.

Flávia Fernandes: Existem alguns dados de um censo que o Cofen [Conselho Federal de Enfermagem]  fez no Brasil com o corpo de enfermagem que são interessantes: das enfermeiras e enfermeiros no Brasil cerca de 54% são negras(os), 85% são mulheres, 23% são enfermeiras(os) graduadas(os), 77% são Auxiliares e Técnicas(os) de enfermagem, 58,9% das Auxiliares e Técnicas(os) de enfermagem são negras(os) e 38.5% das(os enfermeiras(os)  são negras(os). Ou seja, boa parte das enfermeiras negras são as Técnicas e Auxiliares de Enfermagem. Já, quando os dados são sobre as Enfermeiras de ensino superior, a maioria é branca. Por mais que o Cofen não traga esses dados, quando o olhar se volta para as docentes, a maioria esmagadora é de pessoas brancas também. A gente vê que existe uma divisão técnica, tanto de gênero quanto de raça, no corpo da Enfermagem. Sobre práticas antirracistas: a Naiane trouxe a questão das cotas na Pós-graduação. Nós já temos as cotas no nível de Graduação, que já promoveu uma inclusão, mas, para termos mais professoras negras, temos que ampliar o acesso à Pós-graduação, ou seja,cotas para o mestrado e o doutorado. E existe também um projeto [de cotas] na Unifesp para os concursos de docentes. Estão estudando o formato de como implantar cotas para os concursos para docentes na Unifesp. É mais difícil de fazer, porque normalmente abre-se o concurso para uma única vaga, então não consegue colocar cotas. Mas existem algumas metodologias no Brasil que eles estão estudando para poder implementar.
Existe outra questão antirracista, que tem a ver com a nossa reprodução do racismo estrutural e que existe na sociedade nas nossas práticas de cuidado e nas formulações de políticas. Por mais que tenhamos um sistema universal, ou seja, que atende todo mundo, temos resultados de iniquidades em saúde. Então, por exemplo, as mulheres negras têm menos acesso à mamografia e a papanicolau, e isso reflete no percentual de mortalidade por câncer que muitas vezes está presente no nosso consultório. Se temos uma política na UBS de que podemos receber qualquer mulher e que ela pode fazer um papanicolau a qualquer momento sem marcar consulta, por que elas têm menos acesso? Não adianta fazer políticas universalistas, é preciso fazer também políticas focalizadas para apreender populações que estão em situação de vulnerabilidade.
E se eu tenho profissionais de saúde que não têm essa consciência racial… E quando eu falo consciência racial negra, precisamos ter também consciência racial branca. Porque eu faço parte da raça branca, por exemplo, e a gente acha que a única pessoa que tem raça é a pessoa negra ou indígena. Nos esquecemos de que nós, as pessoas brancas, também temos raça, e temos privilégios da nossa sociedade pela cor da nossa pele.
Então, sobre as práticas antirracistas, o que eu posso falar? Para termos essa sensibilização de consciência racial lá na ponta do profissional, temos  que trabalhar isso na formação. Pensando na Escola Paulista de Enfermagem, além de fazer e participar da Semana da Consciência Negra, o quanto conseguimos deflagrar de fato os processos dentro da nossa formação para que a gente faça de fato práticas antirracistas. Eu começo com a descolonização dos currículos, a inclusão no currículo das relações étnico-raciais, e isso não é porque eu acho legal, isso é lei. Temos uma Diretriz Nacional de Educação, que determina a inclusão no ensino fundamental, médio e superior os temas sobre questões étnico-raciais. Como o conhecimento da História da África, mas também conhecimento da composição das relações étnico-raciais pelo Brasil. Isso é muito importante para as práticas da saúde. O próximo passo, além da Semana, será começar a discutir internamente como adequar o currículo.
E não só com uma disciplina sobre Saúde da População Negra, porque na verdade a questão racial é  transversal a tudo isso. Assim, como pensar sobre Saúde da Mulher, sem pensar nas diferenças entre as raças? Então a ideia é que todas as disciplinas e  todos os departamentos consigam abordar essa questão. E isso tem relação com a formação dos estudantes e dos professores. Então, introduzir essa temática é uma das práticas antirracistas que precisamos fazer.

Lucíola Siqueira: O estudante que entra aqui por cotas ou não, sendo negro, não deve sofrer o racismo institucional. Há um caminho para se trilhar para superar isso. Eu não me incluo, mas professores de modo geral, questionam a estética do cabelo do estudante ou da estudante, porque não cabe numa toca, não é? O professor precisa entender que isso é racismo. Acredito que há um caminho longo para se sensibilizar que isso não deve e não pode ser feito de forma alguma e que existe. Assim, fazendo uma contextualização que o processo aqui ainda é difícil. Os estudantes relatam situações complicadas. Estamos, aqui, formando um núcleo que quer dar visibilidade e levantar esse problema para que as práticas sejam repensadas.