O dia 27 de setembro (27/09) é o Dia Nacional da Doação de Órgãos e o Brasil é o segundo país no ranking de transplantes, atrás apenas dos Estados Unidos. Esse bom resultado é fruto do programa de transplante de órgãos, tecidos e células “que é garantido a toda a população por meio do SUS, responsável pelo financiamento de cerca de 95% dos transplantes no país”. 

Para que ocorra a doação de órgão, após morte encefálica (comprovada pelo protocolo de morte encefálica) ou por parada cardiorrespiratória (quando há a parada das funções respiratórias e do coração), a família do paciente falecido precisa autorizar, conforme o previsto na “Lei dos Transplantes” (nº 9.434/2017), mas caso essa seja a vontade do paciente antes de sua morte, o ideal é que a família esteja previamente consciente. Também há a possibilidade de doação de um doador vivo, que precisa ser  “maior de idade e capaz juridicamente pode doar órgãos a seus familiares.” 

Os órgãos e tecidos que podem  ser obtidos de doadores não vivos em caso de morte encefálica são: coração, pâncreas, fígado, pulmão e rim. Enquanto isso, dos tecidos podem ser doados: córneas, válvulas, ossos, músculos, tendões, pele, veias e artérias. Já em pacientes que faleceram de parada cardiorrespiratória podem ser doados os órgãos relacionados que estejam em bons estados.   

A Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) realiza estudos na área de transplantes sendo umas das universidades de referência no assunto e em detrimento do Dia Nacional de Doação, que tem como objetivo  “promover a conscientização da sociedade sobre a importância da doação” e incentivar que as pessoas informem seus familiares e amigos sobre a vontade de doar.

Sobre o assunto conversamos com a Profª Drª Bartira de Aguiar Roza, professora associada do Departamento de Enfermagem Clínica e Cirúrgica da UNIFESP. Possui graduação, mestrado e doutorado em Enfermagem, também pela mesma instituição. A professora também compõe o Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da EPE-Unifesp. É líder do Grupo de Estudos sobre Doação e Transplante de Órgãos e Tecidos (GEDOTT / CNPq). Tem experiência na área de Enfermagem Clínica e Cirúrgica, com ênfase em Doação e Transplante de Órgãos e Tecidos.

Em entrevista, a Profª Drª Bartira de Aguiar Roza contou sobre o trabalho que realiza na graduação, no Hospital São Paulo e nos projetos de pesquisa que está envolvida. 

 

Qual o trabalho realizado na EPE?

Eu sou professora da disciplina de Enfermagem Cirúrgica na graduação e pós-graduação, a minha área é a de Doação e Transplante de Órgão. Eu tenho muitos trabalhos nessa área, porque eu trabalho com isso há 25 anos. Na minha graduação, eu já queria trabalhar com doação e transplante, então o meu TCC já foi voltado para transplantes. Eu estou há muito tempo trabalhando com isso e o meu trabalho envolve a Liga de Transplantes de Órgãos (LITRO), trabalho junto a OMS, apoio às Centrais de Transplantes, trabalhando junto com estruturas nacionais e internacionais. 

 

Como você vê o envolvimento de estudantes, pós-graduandos da Enfermagem?

Eu vejo de uma forma muito boa, quem está com a gente trabalha muito bem. A gente tem um projeto que envolve uma propriedade intelectual na produção de uma caixa de transporte de órgãos para o país. O grupo tem alunos da Enfermagem participando do segundo e sexto ano da Medicina.

Nós temos um projeto bem legal em relação à técnico operatória. Nós iremos receber essa caixa que está sendo construída com base nas nossas orientações de estudo. Esse estudo já dura mais de 6 anos e esperamos em 2023 entregar essa caixa. Depois disso, faremos uma comparação entre a caixa atualmente usada e a nova. E depois testamos com os órgãos dos animais que, infelizmente, vão utilizar o órgão de suíno para comparar duas. Trata-se de  um projeto que envolve professores e estudantes das duas Escolas. 

 

Como você vê a participação dos alunos do curso Enfermagem e do Departamento com essa área de transplantes? Você percebe que há um interesse?

Olha, eu não tenho muitos alunos de graduação porque é uma área de alta complexidade. Por exemplo, na USP, estou envolvida com o projeto do xenotransplante em que o professor Silvano Raia faz parte. Eu fiquei responsável pelos cálculos econômicos do projeto por causa da minha formação no curso de Economia da FGV para saber quanto custaria o xenotransplante para o SUS. Nós aqui da EPE estamos numa vanguarda muito alta e é uma alta complexidade que não pode estar na graduação. A doação de órgãos é um tema que deve estar na graduação, porque ela é uma questão de saúde pública. As pessoas precisam entender que após a morte ainda tem algo para fazer. Agora os transplantes são de alta complexidade e precisam estar na especialização, na residência e não na graduação. Então eu me encontro numa área em que quem leva o paciente ao transplante é a atenção primária. A nossa área é a área da alta complexidade, então eu não posso deixar de ter uma área dessa numa Universidade que é referência internacional em transplantes. Esse é o esforço que eu faço. 

 

Professora, para sistematizar, quais são os projetos que a senhora está envolvida? 

As duas principais são: a da FINEP, que está ligada ao Ministério da Ciência e Tecnologia. É um projeto grande, que envolve vários tipos de Engenharia. Nós fomos contemplados nesse projeto com a colocação de 12º lugar entre 1.190 projetos enviados, para produzir a Embalagem Autônoma Inteligente para Cadeia Fria de Sistemas de Saúde no que diz respeito ao transporte seguro de produtos de origem humana, especialmente órgãos, tecidos e células para transplante. Esse projeto está em tramitação e envolve muitas pessoas. Mas quando fomos apresentá-lo o nosso problema era a gente sair do número alto de potenciais doadores e a gente efetiva muito pouco essas doações. Então o nosso grupo de pesquisa (GEDOTT) desenvolve pesquisas para minimizar essa disparidade. O problema nessa disparidade não está na recusa familiar, nós temos uma taxa de 60% de aceitação, o que eu considero ótimo! Porque mesmo considerando um país com uma série de problemas ,eu considero essa uma recusa aceitável pelo nível de entrega que nós temos. Então o problema, na minha opinião, está muito mais nos profissionais, na falta de educação, na falta de segurança, o problema maior não é a recusa familiar. Enquanto isso, poderíamos corrigir diversos problemas, como o tratamento recebido pelo doador, o transporte, a caixa e questões relacionadas à segurança do paciente, ou seja, a biovigilância.

A outra é a parceria com o programa das Nações Unidas que nos convidou para desenvolver o sistema de Biovigilância no país. E para isso eles pediram para escrevermos um artigo na FIOCRUZ que está publicado. Posteriormente, para lançar a biovigilância no país, que ocorreu em fevereiro de 2020. Nós lançamos a biovigilância e fomos financiados pelo PNUD para desenvolvê-lo. Eu fui coordenadora desse projeto e organizamos ele por fases. A primeira foi o planejamento, um workflow; depois construímos um  dashboard analítico e uma plataforma de biovigilância para o país; depois fizemos um documento diagnóstico brasileiro; produzimos um blog de transplante; discutimos questões jurídicas com as imputabilidades e as gravidades disso; plano de comunicação e o relatório de consolidação com todos os produtos.  

Construímos uma plataforma na fase dois (está no final da matéria), que já está pronto para a Anvisa e o Governo Federal. É uma plataforma segura desenvolvida pela UNIFESP e foi entregue em 3 meses, então foi bem rápido. Usamos a taxonomia da OMS, colocamos todos os hospitais no país que realizam transplante e à medida que vai clicando aparecem as demais taxonomias. Como nós fizemos no início da pandemia já há o SARS-CoV-2. Todos os nossos projetos são multidisciplinares e por isso esse da biovigilância leva o logo das duas Universidades. 

Conforme a plataforma é alimentada, os gráficos já são construídos, o que deixou a Anvisa bem feliz. E a OMS também gostou bastante e a próxima fase é colocar o sistema em três línguas: inglês, francês e espanhol, para que ela possa ser implementada nos países membros. 

Além disso, fomos convidados pela COPAS, para implementar o sistema de biovigilância nos países da América Latina. 

Quais seriam boas ações para conscientizar a população da importância do ato de doar órgãos ou tecidos?

As boas ações são fazermos o nosso trabalho bem feito. Eu sempre falo que a melhor campanha é a mudança cultural a longo prazo. Não adianta eu realizar uma campanha pedindo para as pessoas fazerem o bem porque se eu não faço isso no dia a dia, isso não se transforma numa cultura positiva para doação de órgãos. Isso é o que eu acredito!
Mas também as pesquisas mostram que a campanha de “boca em boca” é a que funciona, principalmente quando as pessoas saem satisfeitas e insatisfeitas sobre algo. Por isso que na minha tese eu perguntei para as pessoas “se elas fariam de novo” e não se a pessoa ficou “sastifeita”, após doar o órgão de um familiar. Hoje é necessário que tenhamos indicadores no país sobre a doação de órgãos, mas é preciso que as pessoas façam o seu trabalho bem feito. 

A campanha pode e deve acontecer, mas é muito mais do que isso. É acolher e conversar com as famílias. E de fato usar as verbas adequadamente na área de transplante e fazer um processo educativo nas escolas de ensino fundamental e médio, que é um plano para a Liga de Transplante de Órgãos, porque é a geração atual que vai decidir pelo futuro. 

Saiba mais sobre o assunto

Referências

Biblioteca Virtual em Saúde MINISTÉRIO DA SAÚDE. Transplante de órgãos e tecidos. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/transplante-de-orgaos-e-tecidos/. Acesso em: 19 set. 2022.

 Biblioteca Virtual em Saúde MINISTÉRIO DA SAÚDE. 27/9 – Dia Nacional da Doação de Órgãos. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/27-9-dia-nacional-da-doacao-de-orgaos-4/. Acesso em: 19 set. 2022.

Biblioteca Virtual em Saúde MINISTÉRIO DA SAÚDE. Transplante de órgãos e tecidos. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/transplante-de-orgaos-e-tecidos/. Acesso em: 19 set. 2022.

UNIFESP. Saúde Global Unifesp: Bartira de Aguiar Roza. Disponível em: https://saudeglobal.unifesp.br/equipe/bartira-de-aguiar-roza. Acesso em: 19 set. 2022.